sexta-feira, 15 de maio de 2020

Educação financeira e desenvolvimento económico



“Nada estabelece limites tão rígidos á liberdade quanto a falta de dinheiro”
John Kenneth Galbraith

Actualmente o empreendedorismo tem sido um tema constantemente debatido em vários encontros, palestras e seminários e, já consta em várias propostas de políticas económicas para promover o desenvolvimento económico. Em Cabo Verde, dentro da estratégia do governo de reforçar o sector privado como motor do desenvolvimento esse tema tem merecido grande destaque.

Embora se reconheça a importância da promoção do empreendedorismo no desenvolvimento de países, as estratégias tem-se centrado apenas nos aspectos formais relacionados com abertura de empresas, capacitação técnica, crédito, plano de negócios etc, negligenciando questões mais importantes que se relacionam com os aspectos informais, tais como a cultura, valores, traços da personalidade dos empreendedores, racionalidade económica e financeira etc que, em última instancia, condicionam o sucesso de qualquer empreendimento e limita de forma significativa o desenvolvimento económico do país.

Um dos aspectos informais que condiciona de forma evidente a sobrevivência e o sucesso do empreendedor é a inteligência financeira, algo que não é ensinado no sistema formal de ensino e que a sociedade, de certa forma, tem dado pouca atenção. O assunto “dinheiro” tem sido ignorado em todas as esferas da sociedade e muitos adultos tem demonstrado limitada maturidade para tratar o “dinheiro” com inteligência e estratégia no sentido de tirar melhor proveito do seu bom manuseio. Ainda, o hábito da poupança ainda não faz parte da nossa cultura; demonstramos ser impacientes e imprudentes no uso do dinheiro e os nossos gastos são determinados factores tais como a vaidade, a ostentação, o desejo e o impulso, limitando consideravelmente o desenvolvimento do País.

A educação financeira segundo a OCDE, é o processo mediante o qual os indivíduos e as sociedades melhoram a sua compreensão em relação aos conceitos e produtos financeiros, de maneira que com informação, formação e orientação claras possam desenvolver os valores e as competências necessários para se tornarem mais conscientes das oportunidades e riscos neles envolvidos e, então, poderem fazer escolhas bem informadas, saber onde procurar ajuda, adoptar outras acções que melhorem o seu bem-estar e, assim, tenham a possibilidade de contribuir de modo mais consistente para a formação de indivíduos e sociedades responsáveis, comprometidos com o futuro.

A limitada inteligência financeira dos agentes económicos tem sido um entrave significativo no processo de desenvolvimento do país e frequentemente pode ser observado pela predominância dos aspectos emocionais na escolha entre as alternativas de investimentos; concentração dos investimentos das famílias em bens de consumo duráveis tais como imóveis e automóveis, geralmente importados e financiados com recursos de terceiros (que aumenta o endividamento das famílias e o deficit na Balança Comercial).

Neste contexto, na ausência da literacia financeira, nota-se uma padronização do investimento das famílias á imitação das opções dos vizinhos, sem uma análise prévia e racional, gerando um círculo vicioso de ineficiências perpetuado por uma espécie de externalidade negativa que não condiz com os princípios de “liberdade de escolha” dos indivíduos. Muitas vezes é notório o equívoco cometido no investimento de famílias, empresas e inclusive governos, confundindo passivo com activo isto é, fala-se frequentemente em fazer “investimento” na casa própria ou num automóvel e até infra-estruturas, sendo que na contabilidade patrimonial esses bens são considerados muitas vezes como passivos e nos deixam mais pobres porque aumentam as nossas despesas mensais (com prestações nos bancos, impostos, juros, combustíveis, seguros, reposição de peças, manutenção etc) sem uma correspondente contrapartida em receitas. Portanto, não tem nada de inteligente manter um “activo” que só provoca despesas no fluxo de caixa.

Frequentemente as escolhas das famílias são guiadas por objectivos nobres tais como garantir a segurança familiar, provisão sobre as incertezas do futuro porém, do ponto de vista financeiro são péssimas escolhas porque a família necessita de um fluxo de rendimento constante para ficar segura isto é, a entrada liquida de dinheiro ao longo do mês é que determina a qualidade de vida e bem-estar das famílias e empresas. Como se diz, e é consenso, não importa o quanto de dinheiro ganhou na vida mas sim, o quanto de dinheiro que conseguiu conservar que vai determinar o seu futuro.

O aumento de casos de famílias em situação na qual são incapazes de pagar suas dívidas com o rendimento familiar disponível devido á escolha errada das opções de investimento tem levado á semi-marginalidade de grande parte da classe média, com perdas na capacidade de consumo, perda de qualidade de vida, stress financeiro que traz problemas mentais, emocionais, perda de laços sociais entre outros problemas nos leva a insistir sobre a urgência de se aumentar a inteligência financeira da população. Além de uma condição essencial para alcançar maior prosperidade de famílias, empresas e do país, provavelmente, é também um dos instrumentos mais eficazes no combate á pobreza.

Esse tema sempre foi uma preocupação de vários países (Austrália, França, Canada, Irlanda, Holanda, Malásia, Cingapura, Brasil, Reino Unido, EUA etc) que já incluíram o tema educação financeira nas escolas. Actualmente num cenário de agravamento do endividamento de famílias, empresas e governo em Cabo Verde parece ser inadiável e imprescindível a implementação de um Programa Nacional para a Educação Financeira.

Embora não seja evidente para muitos indivíduos que nós gastamos muito mal o nosso dinheiro, a realidade é que grande maioria do património familiar são classificados como passivos, que na verdade nos deixam com menos liquidez para enfrentar os desafios de curto prazo e ter qualidade de vida.

Tendo em conta que a escolha das opções de afectação dos recursos é moldada pela estrutura dos incentivos que existe na sociedade é urgente analisar uma engenharia de incentivos mais eficiente que possa moldar o comportamento racional dos agentes económicos e permitir maior inteligência financeira.

A efectiva tributação do património é o instrumento que tem a função de moldar o comportamento e a racionalidade das famílias e é, sem dúvida, o mecanismo mais eficiente e sustentável para aumentar a educação financeira e garantir o desenvolvimento do País.

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